Pároco da Foz durante catorze anos e alguns meses, José dos Santos Ferreira de Moura, nasceu em S. Pedro da Cova, Gondomar, em 29 de abril de 1839.
Depois de uma breve passagem pelo Brasil, ainda muito novo e a convite de um tio residente no Rio de Janeiro, ingressou no Seminário do Porto, onde, dada a sua vocação para a vida eclesiástica, se ordenou Sacerdote. Inicialmente nomeado Capelão do Convento das Donas de Corpus Christi, em Vila Nova de Gaia, deixou posteriormente este cargo para, em substituição, assumir a Paróquia da Foz, lugar em que tomou posse três anos mais tarde, em 7/11 /1876, como Pároco efectivo.
Considerado um amigo e um protector dos enfermos e dos pobres, a quem socorria com o seu óbolo, visitava-os e assistia-os nas suas enfermidades.
Foi também um político. militante e dirigente local do Partido Regenerador, partido pelo qual foi eleito para o cargo de Procurador à Junta Geral do Distrito, pelos Concelhos de Gondomar e de Valongo, em 1871.
Esta actividade política veio trazer-lhe muitos problemas na Foz. Outra formação política tinha grande importância nesta Freguesia na altura, o Partido Progressista. Liderado por António Carneiro dos Santos (era proprietário do Chalet Suiço, no Passeio Alegre) este partido fazia constante "guerra" ao Abade Moura, mesmo dentro da Igreja, ou seja, nas Confrarias, ao ponto de em 1886 o tentarem impedir de realizar, pela primeira vez na Foz do Douro, a Procissão do Sagrado Coração de Jesus. A Mesa da Confraria do Santíssimo Sacramento, tendo sido dissolvida, foi substituída por uma Comissão Administrativa da facão progressista. O Presidente dessa Comissão fechou à chave, na Casa da Fábrica, todos os objectos pertencentes ao culto, incluindo até os bancos do altar nos quais se sentavam o celebrante e acólitos da Igreja, com o objectivo de entravar a realização da Procissão e das festividades. Isto não impediu que o Abade Moura realizasse as festividades e, de acordo com o que rezam escritos da época, foi um êxito.
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Igreja Martiz de S. João da Foz do Douro |
Homem culto e interessado no progresso e engrandecimento da Foz, foi fundador de duas importantes Colectividades da época, nesta Freguesia: a Associação Protectora de Socorros Mútuos da Foz do Douro, em 1877, e a Banda Marcial da Foz em 1883. Contudo, as rivalidades políticas levaram os seus opositores a fundarem, em 1879, a Associação de Beneficência de S. João da Foz, que mais tarde se veio a designar por Associação Fraternal de Socorros Mútuos. Estas Associações fundiram-se numa só, que passou a designar-se Associação de Socorros Mútuos da Foz e que foi extinta em 1977. Tinha a sua sede no edifício onde se encontra a Banda Marcial da Foz, na Rua Padre Luís Cabral, com quem já partilhava as instalações, até à data da extinção e do qual era proprietária.
Considerado um pregador fluente, o Abade Moura conseguia afirmar o seu talento e os seus vastos conhecimentos da Doutrina Cristã, apresentados aos fiéis de uma forma singela, mas elegante, que o tornava muito querido pelo auditório, que sempre atentamente o ouvia.
Foi aliás um desses sermões que veio a causar a sua morte. Em 22 de Maio de 1887, de regresso a casa, de um sermão na Capela de Nossa Senhora da Ajuda, em Lordelo do Ouro, sentiu um resfriado que se veio a converter numa pneumonia dupla que o vitimou em pouco mais de quinze dias. A sua morte, em 6 de Junho de 1887, repentina e prematura, foi muito sentida na Foz, especialmente pelos mais desfavorecidos a quem auxiliava com os seus poucos recursos. Diz-se que morreu pobre porque tudo o que tinha repartia pelos que mais necessitavam.
Colocou-se logo, com a sua morte, uma questão. Não havia, a cargo da Igreja, um lugar digno, no Cemitério, para ser sepultado. O seu adversário político principal, que era o Presidente da Junta na altura, António Carneiro dos Santos, colocou imediatamente à disposição o seu Jazigo para que o corpo do Abade Moura ali fosse colocado. Esta foi uma solução temporária pelo que, logo após a sua morte, a Junta reuniu e deliberou abrir uma subscrição pública para a construção de um Mausoléu onde perpetuadamente fosse sepultado.
Os amigos e companheiros do partido político do Abade Moura constituíram uma Comissão com o objectivo de também reunirem fundos para a construção de um Mausoléu. Dois irmãos do falecido, já depois de recolhidos alguns donativos pela Junta, entre os quais os dos seus membros e do Regedor (que foram os primeiros a contribuir) escreveram àquela Autoridade Administrativa informando que não aceitavam a homenagem da Junta, mas sim a homenagem da Comissão entretanto criada. Isto obrigou a que a Junta mandasse celebrar uma Missa por alma do Abade e no final da mesma distribuísse o valor dos donativos recolhidos pelos pobres.
A Comissão do Mausoléu do Abade Moura teve, porém, uma existência longa pois a construção daquele Jazigo não foi fácil, não por falta do dinheiro necessário, mas por razões políticas. Logo passado pouco tempo da sua existência, começaram os problemas com a Junta.
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De acordo com esta cópia do desenho original a coluna foi feita como se vê, já "quebrada" |
Em dada altura a Junta teve de ser intimada pelo Tribunal Administrativo a dar despacho ao requerimento do representante da Comissão e dos irmãos do falecido, para a cedência do terreno para o Mausoléu, isto depois de um deputado do Parlamento, Dr. João Arroyo, ali ter denunciado a irregularidade da Junta da Foz. Este "travão" ao deferimento era justificado pela Junta baseando-se no artigo 17Q do Regulamento do Cemitério, que previa a indicação de alguém que, após a construção de um Jazigo, ficasse incumbida de velar pela sua conservação. Para se ter uma ideia do que se dizia na imprensa da época, sobre o assunto, transcrevo um extrato da notícia publicada pelo jornal semanal "O Globo", n9 1, ano 1, em 10/03/1889: "O Mausoléu - Ainda está bem patente na memória dos parochianos da Foz, a celebre questão do mausoléu do fallecido abbade Moura, que tanto pasto deu à intriga política. A junta de parochia, esquecendo-se simplesmente do parocho da freguezia, quiz expontaneamente erigir-lhe, por meio de uma subscripção publica, um monumento onde repousassem os restos mortaes do reverendo Moura, que tão cedo se finou, devido, talvez, mais á incarniçada lucta de uma política cheia de ódios e de rancores, do que ao trabalho de converter a heresia,... Mas, depressa se viu disputada, e a junta de parochia, querendo evitar que uma questão de sentimento geral, fosse convertida n'uma questão política, como já o era desde que appareceu uma commissão contendora a disputar a supremacia da junta, sob pretexto de que a commissão era regeneradora e a junta progressista. Esta desistiu do seu propósito, para evitar um odioso de que os amigos políticos do infeliz abbade já se não livraram. E fez bem a junta."
Pelo Relatório e Contas da Comissão, publicado em 1891, pela Imprensa Moderna, da Rua de Passos Manuel, 57, no Porto, poder-se-á também avaliar um pouco da atribulada vida daquele conjunto de pessoas. Inicialmente. Presidida, por Miguel do Canto e Castro, teve algumas substituições, por morte de membros, entre os quais o próprio Presidente. Terminou a sua acção em 1891 (a trasladação do cadáver foi efectuada em 26-12-1889, ainda antes da obra terminada), depois de ter arrecadado uma receita de quatrocentos e trinta e sete mil, quinhentos e setenta réis, de donativos, dos quais deixou, como saldo e depois de pagas todas as despesas com a construção, oito mil réis para serem distribuídos pelos pobres da Paróquia, na Missa de aniversário da morte do Abade.
Mais tarde, em 1925, constituiu-se outra Comissão - esta, ao que se sabe, sem ligações político-partidárias - para angariar fundos para construção de duas capelas. Uma para satisfazer a vontade de muitas pessoas da Foz, que pretendiam que o corpo do Abade Moura ficasse à vista de todos. Foi assim que, em 24-8-1929, concluída esta Capela, para lá foi trasladado o corpo, onde ainda hoje se encontra.
A outra capela, destinada ao culto religioso, veio a ser construída muito mais tarde, tendo sido benzida pelo Bispo do Porto em 31-10-1946 e inaugurada em 2 de Novembro do mesmo ano, pelo pároco da Freguesia, Padre Manuel Dias da Costa.
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Capela no dia da sua inauguração, em 02-11-1946. Vemos o Bispo do Porto e ao seu lado esquerdo o Pároco da Foz à época. |
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O mausoléu encontra-se vago. Contudo, conta-se há muitos anos na Foz a história de que o Abade Moura “não quis ali estar”, pelo que “fez abanar o jazigo até partir a coluna” Deste mausoléu, constituído por um quadrado de mármore, com uma coluna grega partida, que simboliza interrupção prematura de uma vida, aqui se reproduz o desenho original, da autoria de João d'0liveira.
Não deixa de ser curioso ler um extracto de uma ata da reunião da Junta de Freguesia de há mais de cem anos. Nesta altura a imprensa publicava praticamente o texto completo das atas. Aqui apenas se transcreve, no grafismo original, a parte de maior interesse do teor da notícia publicada em 22 de Julho de 1887 no jornal «O Comércio do Porto»: "Junta de parochia da Foz. Reuniu no domingo passado a junta de parochia da Foz do Douro, sob a presidência do snr. António Carneiro dos Santos, estando presentes todos os vogaes. Deu-se conta do seguinte expediente: Do snr. barão de Paço Vieira, vice-presidente da commissão para erigir um mausoléu ao falecido abbade da Foz, acusando a recepção de um officio da junta. Com relação a um requerimento apresentado pêlos snrs. Joaquim dos Santos Ferreira Moura e António dos Santos Moura, pedindo que lhes fosse vendido o terreno necessário para construcção de um jazigo. Resolveu-se que os requerentes declarem quem fica obrigado ao cumprimento do disposto no regulamento do cemitério. O snr. presidente participou que, de harmonia com o resolvido, tinha ido, em companhia de dous vogaes e do snr. regedor, abrir a caixa que se collocou á porta da igreja para receber esmolas com applicação á construcção do jazigo para o fallecido abbade, e se verificou existir n 'ella a quantia de 265 réis, que em seguida distribuiu pelos pobres em suffragio da alma do finado.
Em 1987 foi constituída uma Comissão para realizar o programa da comemoração dos cem anos da morte do Abade Moura (Comissão a que tive a honra de pertencer), pelo Pároco, da época, Padre Orlando Ramos dos Santos,. Esta Comemoração, celebrada condignamente, culminou com uma Missa Solene na Igreja Matriz, na qual participou a Banda Marcial da Foz, que terá sido fundada pelo Abade Moura.
Há, porém, em minha opinião, ainda algo de importante a fazer em relação a esta eminente figura, que é de toda a justiça: atribuir o seu nome a uma artéria desta Freguesia.
Em 7 de Novembro de 1981, na qualidade de Vice-Presidente da Direção da Cooperativa de Habitação Económica de Nevogilde, apresentei uma proposta àquele órgão para que uma das praças, que irão resultar da construção do complexo habitacional daquela Cooperativa, na Ervilha, se passasse a designar "Praça Abade Moura". Esta proposta foi de resto completada por uma outra do meu amigo e companheiro da fundação e da Direcção daquela Cooperativa - Emanuel Rebelo - que na altura era Presidente, que propôs que a outra artéria se designasse "Praça Dr. Ramalho Fontes", em homenagem a outra figura ilustre da nossa Foz e que dela falarei num dos próximos números desta jornal. Estas propostas, aprovadas por unanimidade, foram posteriormente enviadas à Junta de Freguesia da Foz. Esta, por sua vez, submeteu-as à Assembleia de Freguesia. Foram, também, aprovadas por unanimidade por aqueles dois Órgãos Autárquicos.
Texto de Agostinho Barbosa Pereira publicado originalmente na edição n.º 13 do jornal O Progresso da Foz, jornal local, em Março de 1996.