quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Figuras da Foz do Douro - O Neca Nau

Quem se lembra do Neca Nau, ou simplesmente Nau?

Manuel, seu primeiro nome (confesso que não me lembro dos seus apelidos) vivia numa pequena casa na Rua da Beneditina, com a mãe e a irmã, Nina, conhecida por Nina do Nau.

Homem dotado de extraordinária força (lembro-me de o ver levantar um carro, marca Volkswagen "carocha", a pulso, do lado do motor) Fazia toda a espécie de recados, particularmente os que envolviam transporte de bens que levava às costas, quando grandes, como malas, por exemplo. Mas ele, tal como a irmã, eram mentalmente debilitados.

Nas ruas muitas vezes era apupado ou motivo de constantes "piropos" por miúdos e até por alguns adultos que gostavam de o ver zangado. Tais atitudes levavam a que arremessasse pedras ou corresse atrás de quem o provocava. Também muitas vezes lhe davam bebidas, especialmente vinho, para o verem embriagado.

O Neca Nau como figurante do Cortejo do Traje de Papel em 1965, no papel de Gugunhana

A imagem que aqui coloco, reproduz a sua participação como figurante no cortejo do traje de papel, das festas de S. Bartolomeu na Foz do Douro, na figura de Gugunhana, em 1965, no célebre cortejo alusivo à história de Portugal.

Mas a organização, a cargo do saudoso Joaquim Picarote, teve imensa preocupação nesta participação do Nau. Desde logo mantê-lo em lugar seguro e vigiado durante a noite, que antecedeu o evento, para que ninguém conseguisse embriagá-lo e com isso inviabilizasse a sua participação. Também durante o cortejo foi necessário “segurá-lo” porque ao longo do percurso muitos foram os que lhe mandaram uns “piropos” de que não gostava.

No início de 1975, depois da morte de sua mãe, já sem forças para angariar uns escudos, vivia com a irmã numa pobreza extrema, embora tivessem a ajuda de vizinhos e amigos. A comissão administrativa da Junta de Freguesia, nomeada depois do 25 de Abril, até à realização da primeiras eleições autárquicas livres, atribuiu a ambos um pequeno subsídio mensal. Porém alguém se havia já interessado pela situação em que estas duas criaturas viviam e conseguiu que a segurança social lhe atribuísse uma pensão mensal vitalícia, que a seu tempo lhe foi atribuída.

A propósito disso quero aqui dar conta de um facto marcante. Quando recebeu a primeira quantia da Segurança Social, Neca, dirigiu-se à Junta de Freguesia para informar que já não necessitava do montante que a autarquia lhe atribuía mensalmente, pelo que poderiam entregar esse valor a quem estivesse mais necessitado. Fui eu que o atendi, porque nesse tempo os autarcas não se encontravam na Junta durante o horário de funcionamento. Não mais esqueci esta atitude do Neca, digna do maior apreço. Quantos tomariam tal atitude?

Já faleceu há uns anos, bem como sua irmã.

Recordo-o como um homem humilde, educado e respeitador, apesar da sua condição e das suas limitações. Não era agressivo, mesmo alcoolizado.

Agostinho Barbosa Pereira, em 28 de Abril de 2011.

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