sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Resumida história de um movimento na Foz do Douro, há cerca de 41 anos, com o escritor Rebordão Navarro.

A minha convivência com o escritor António Rebordão Navarro começou, nos inícios dos anos setenta, no café Moreira, à Rua Senhora da Luz, ainda que o conhecesse há muito tempo antes.

Era um frequentador assíduo daquele café, muitas vezes acompanhado da esposa, saudosa D. Virgínia, uma das três filhas do senhor Adrião que morava na Rua de S. Bartolomeu, julgo.

Acabei por começar a tomar parte numa “tertúlia” que tinha lugar, de quando em vez, em casa do Pimentel, na Rua de Cândida Sá de Albergaria, onde, para além de Navarro, se juntavam; o Branco, médico pediatra, que vivia da Rua do Faial; o meu amigo e companheiro Júlio Amorim (já há muito falecido) e outros,  cujos nomes não me ocorrem.

Após a revolução de Abril começaram a surgir em algumas freguesias do Porto movimentos com vista à “tomada” das juntas de freguesia com a intenção de as colocar democraticamente ao serviço das populações. No caso de Ramalde, soube-se que o grupo, liderado por um homem chamado Reis, tomou a Junta de Freguesia de assalto instalando-se com funções executivas, lugares e pelouros distribuídos.

Também na Foz do Douro se criou um grupo, com objectivo idêntico, encabeçado por António Rebordão Navarro, composto pelos já citados: Branco, Pimentel, Júlio Amorim e eu. Por convite de Navarro também se juntou a este grupo Joaquim Picarote (há muito falecido) que vivia na Rua do Farol e havia sido um entusiasta de várias iniciativas na Foz do Douro, nomeadamente os Cortejos do Traje de Papel integrados nas festas a S. Bartolomeu que se realizam anualmente, em Agosto,  nesta freguesia.

Edifício sede da Junta de Freguesia da Foz do Douro

Porem, a ideia de Rebordão Navarro, com a qual todos concordamos, não era a de se tomar a Junta de Freguesia por assalto, mas sim legitimados através da assinatura de residentes na freguesia. E assim, cada um fez circular exemplares de papel azul com vinte e cinco linhas, para a recolha de assinaturas. Não posso precisar quantas assinaturas colhemos, mas recordo-me que o volume de folhas era grande. Foram certamente milhares. O seguinte passo foi o da entrega no antigo Governo Civil do Porto, do abaixo assinado. Solicitada a audiência viemos a ser recebidos, não pelo Governador, visto que não havia ainda sido nomeado pelo Governo Provisório, mas pelo Secretário, Dr. Januário Nunes, a quem estava cometida, por lei, a função de substituição e que foi muito atencioso para o com o nosso grupo, mas apenas se limitou a ouvir-nos e a receber os papéis, com a promessa de que os entregaria ao próximo governador. Informou-nos que não dispunha de poderes para nomear qualquer Comissão Administrativa nas Juntas de Freguesia.

Algum tempo depois tive a oportunidade de conversar com o Dr. Mário Cal Brandão, que estava indicado e veio a tomar posse, em Setembro de 1974, como Governador Civil do Porto, a quem dei conhecimento das nossas diligências cuja intenção era a de gerirmos a Junta de Freguesia da Foz do Douro democraticamente. Contudo este informou-me que sabia da intenção do Governo em instruir os novos governadores para que nomeassem um representante de cada partido (PCP/PS/PPD) nas freguesias, com vista à constituição de Comissões Administrativas até às Eleições Autárquicas. Assim veio a acontecer, com excepção da Freguesia de Ramalde, onde permaneceu, embora nomeado, o grupo a que já me referi e que exerceu funções até às primeiras Eleições Autárquicas que se realizaram em finais de 1976.

Gorou-se assim a ideia do nosso movimento, encabeçado por António Rebordão Navarro e criado especificamente para a democratização da autarquia local, que permanecia com um executivo cujo presidente tinha mais de vinte anos de mandato e que se chamava Álvaro Gomes.

Rebordão Navarro era nessa altura militante do MDP/CDE. Em eleição autárquica posterior chegou a candidatar-se à Junta de Freguesia da Foz do Douro pela CDU, mas acabou por renunciar ao lugar.

Tudo isto aconteceu antes de eu iniciar funções, após concurso, na Junta de Freguesia da Foz do Douro, onde trabalhei vinte e oito anos. Resta-me dizer que durante os anos em que trabalhei naquela autarquia e em acções da Associação O Progresso da Foz, da qual fui um dos fundadores e também dirigente, do Orfeão da Foz do Douro, onde exerci o cargo de presidente da Direcção durante doze anos, ou de outras actividades em que tomei parte, como a Feira de Artesanato da Foz do Douro, tive muitos contactos com António Rebordão Navarro, com quem tive sempre a melhor relação, apesar da crítica (justa) que me fez, numa das crónicas que escreveu no Jornal de Notícias, porque eu, enquanto responsável pela exposição retrospectiva de S. Bartolomeu, que realizei no Castelo da Foz em Agosto de 1991, ter omitido uma das realizações que ele Rebordão Navarro havia levado a efeito, em meados dos anos oitenta, enquadrada nas festas a S. Bartolomeu e designada “Jogos Florais”. Mas isso não provocou qualquer problema entre nós, apresentadas que foram as devidas desculpas.

António Rebordão Navarro deixou-me (e certamente a muitos que privaram com ele)  saudades, não só no aspecto pessoal, como no literário. Ainda que este, nas muitas obras que nos legou, permaneça vivo para sempre.

António Rebordão Navarro, poeta e ficcionista, nasceu na Foz do Douro a 1 de Agosto de 1933. Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, exerceu advocacia no Porto. Secretariou e dirigiu a revista literária Bandarra, fundada por seu pai, o escritor Augusto Navarro. Foi co-director da revista de poesia Notícias do Bloqueio, e em 1975 dirigiu a Biblioteca Pública Municipal do Porto. Depois da poesia, estreou-se com As Três Meninas e Outros Poemas (1952), a que se seguiram O Mundo Completo (1955), Os Animais Humildes (1956), Aqui e agora (1961) e 27 Poemas (1988) — enveredou pela ficção narrativa a partir de Romagem a Creta (1964). Com Um Infinito Silêncio (1970) obteve o Prémio Alves Redol e ao seu romance Mesopotâmia (1984) foi atribuído o Prémio Internacional Miguel Torga. Publicou, ainda, o romance O Parque dos Lagartos (1982). O seu livro A Praça de Liége (1988) foi distinguido com o Prémio Literário Círculo de Leitores.

Publicou ainda, entre outras obras, a antologia Poetas Escolhem Poetas (1992).

Faleceu a 22 de Abril de 2015, na sua casa, sita à rua do Passeio Alegre, na Foz do Douro.

Casa onde viveu António Rebordão Navarro na Rua do Passeio Alegre, frente ao Jardim com o mesmo nome.

Para a cooperativa Sociedade Portuguesa de Autores, a quem António Rebordão Navarro havia doado a sua casa em 2010, este "foi uma figura sempre activa na vida cultural e cívica do Porto", tendo esta entidade criado um prémio literário com o seu nome.

Agostinho Barbosa Pereira, em 30 de Maio de 2015.

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