quinta-feira, 31 de outubro de 2019

O Bispo D. Miguel da Silva. O "dono" da Foz do Douro.

Depois de dez anos de vivência em Roma como embaixador do Rei de Portugal, onde se tornou íntimo dos papas Médicis, D. Miguel da Silva regressou ao seu país, onde foi nomeado Bispo de Viseu pelo Rei D. João III, cargo que desempenhou até 1540, altura em que fugiu para Roma, fuga considerada pelo rei como de alta traição.


Quadro "Cristo em casa de Marta", da autoria do pintor Grão Vasco, encomendado pelo bispo de Viseu D. Miguel da Silva, no qual, segundo consta, o próprio bispo se fez retratar (rosto rodeado por um círculo). Esta obra está patente no Museu Grão Vasco em Viseu.

No período em que viveu inicialmente em Roma, entre 1515 e 1525, integrou-se perfeitamente na vida romana e criou grande amizade com importantes figuras da época, nomeadamente com o artista Miguel Ângelo. Humanista e poeta, tornou-se uma figura de primeiro plano na cultura e na política.

Na chegada a Portugal em 1525, com os benefícios eclesiásticos que lhe haviam sido concedidos pelo Papa, como o Mosteiro de Santo Tirso, muito cobiçado à época por outros homens da igreja e ao qual pertencia o Couto de S. João da Foz do Douro, fixou-se nesta freguesia lançando-se numa verdadeira campanha de obras, algumas delas bem importantes. Pode dizer-se que D. Miguel da Silva beneficiou e muito a Foz do Douro e o seu progresso.

Segundo descrição da época, à entrada do Douro alinhavam-se colunas de granito a meio do rio indicando o enfiamento da barra. Uma igreja de enorme cúpula avançava água dentro com fachada voltada para o mar. Mais adiante um torreão abobadado a servir de capela farol (ver artigo sobre a capela farol de S. Miguel o Anjo) ambas traçadas no mais puro estilo da Renascença italiana. Todo este aparatoso conjunto foi erguido, após 1527, por ordem do abade de Santo Tirso e Bispo de Viseu, D. Miguel da Silva, pelo seu arquiteto privativo, o italiano Francisco de Cremona. Diz-se que no vasto programa de restauração da Foz do Douro fundia-se o universo mental do renascimento com o novo mundo aberto pelos descobrimentos.

Em 1567 a corte mandou rodear a igreja com muralhas, criando-se assim o Forte de S. João Baptista da Foz do Douro, vulgo Castelo da Foz do Douro.


O Forte de S. João Baptista. Foto do óleo do pintor Artur Loureiro nos anos vinte do séc. XX. 

Mais tarde, em 1647, após um estudo do engenheiro-mor Lassart, foi destruído o “conventinho” beneditino, onde havia residido D. Miguel da Silva até 1540 e demolidas as abobadas e frente da fachada principal da igreja, cujo interior passou a ser o pátio da fortaleza.

A igreja Paroquial da Foz do Douro foi então construída no local onde actualmente se encontra. Consta que o rei D. João III terá doado do seu bolso seis mil cruzados para a construção da actual igreja, com a condição de poder demolir a existente dentro do castelo. Da anterior igreja resta a nave que em foto se reproduz.


Nave ainda existente da antiga Igreja da Foz do Douro

D. Miguel da Silva, destituído da nacionalidade portuguesa, pelo rei e dos poderes eclesiásticos que lhe haviam sido concedidos depois da fuga para Roma, ascendeu à dignidade cardinalícia em 2 de Dezembro de 1541, mas o vento da fortuna virou. De bispo rico tornou-se cardeal pobre, ficando dependente da generosidade do papa, recorrendo mesmo à colónia judaica para sobreviver. Mas nunca perdeu a fama de grande humanista, nem de escritor.


(Fonte: Revista Oceanos, da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses – Junho de 1989)

Agostinho Barbosa Pereira




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